sábado, 25 de abril de 2009

As 24 horas do 25 de Abril de 1974

Aproximavam-se a passos largos as primeiras frequências. “História da Filosofia Medieval” era a primeira! Dia 25 de Abril. Corria o ano de 1974. Coimbra. Os estudantes, agora, dormiam pouco. Era preciso fazer o máximo de frequências para dispensar dos exames. São 5:15 da manhã. É de noite, ainda! Maquinalmente, ligo o rádio! Uma voz pausada e grave faz-me parar! “Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. Atenção elementos das forças militarizadas e policiais. Uma vez que as Forças Armadas decidiram tomar a seu cargo a presente situação, será considerado delito grave qualquer oposição das forças militarizadas e policiais às unidades militares que cercam a cidade de Lisboa. A não obediência a este aviso poderá provocar um inútil derramamento de sangue cuja responsabilidade lhes será inteiramente atribuída. Deverão, por conseguinte, conservar-se dentro dos seus quartéis até receberem ordens do Movimento das Forças Armadas. Os comandos das forças militarizadas e policiais serão severamente responsabilizados caso incitem os seus subordinados à luta armada.” Mas que se passa? Estas palavras criaram em mim um estado de alerta, de angústia! “Posto de comando do Movimento das Forças Armadas?” Mas quem são? “Serão os mesmos das “Caldas”? Serão da “situação”? "inútil derramamento de sangue?”, “unidades militares que cercam a cidade de Lisboa”! Há um levantamento em Lisboa, não há dúvidas! Mas, quem estará por detrás deste movimento militar, um tal MFA? Mas, quem são?
O local usual de encontro, antes de rumar a Faculdade, era o café “Reduto”, na avenida Fernão de Magalhães. Quando aí cheguei, as perguntas eram as mesmas. E se for um golpe dos “ultras” contra o Marcelo? Será da esquerda militar? “O golpe das Caldas” ainda não estava bem explicado e o livro do General António de Spínola, “ Portugal e o Futuro”, era lido às escondidas e passado de mão em mão, porque a PIDE/DGS tinha-os comprado quase todos! Nunca se sabia quem nos estava a ouvir ou ver. O medo da PIDE/DGS era muito!
No “Largo das Mamudas”, entre “as Letras”, “os Direitos” e a Biblioteca Geral, os estudantes começavam a juntar-se e a comentar, sem ninguém avançar com o que quer que fosse. Todos queríamos que fossem os militares de esquerda e os “milicianos” os heróis desta iniciativa, mas … e se não fossem? A angústia, a incerteza, o querer gritar “liberdade”, mas o medo de ser imediatamente detido, detinha-nos … os minutos passavam e as notícias eram vagas. Que se passaria efectivamente em Lisboa? O Governo? Como estava a reagir? A PIDE/DGS estava quieta? A Legião Portuguesa estava já em acção? A GNR? Tudo isto era falado, comentado em voz baixa, mas, por volta das 11:00 horas, um comunicado do MFA faz toda a gente gritar de alegria e os primeiros choros de alegria, os primeiros abraços e gritos se soltam. Alguém já oferece flores a professores que sempre estiveram ao lado da luta dos estudantes. Finalmente! Marcelo Caetano estava cercado, soubemos, no Quartel do Carmo em Lisboa! Forças até agora afectas ao Governo tinham-se passado para o lado dos revoltosos. A fragata “Gago Coutinho”, fundeada no Tejo, tinha-se recusado abrir fogo sobre os revoltosos estacionados no Terreiro do Paço. Mas havia muitas incertezas, ainda! Otelo Saraiva de Carvalho, o cérebro do golpe, estava com dificuldades em fazer crer tratar-se de um golpe a sério. Não era a repetição das “Caldas”! “ Rebenta com as fechaduras do portão, que é para saberem que é a sério!”, comunicou ele ao Salgueiro Maia que não conseguia a rendição no “Carmo”! A população estava a ficar eufórica! Era Primavera! O dia estava radioso! As floristas que carregavam flores para a cidade, começaram a distribuir cravos aos soldados, que sem saber o que fazer com eles, algum se lembrou, e vai de enfeitar o cano da G3 com um cravo! Quem o fez, nunca pensou que essa flor e essa imagem viessem a ter o significado que tiveram!
O dia ia longo e a tarde caminhava para a noite! Eram 18:00 horas e Marcelo Caetano entrega o poder e a rendição do Estado Novo ao General Spínola, que se recusara ser Ministro do Ultramar.
Às 19:50 um novo comunicado do MFA informa a população portuguesa da queda do governo e à 1:30 do dia 26 de Abril um grupo de sete militares, todos com ar de quem o sono os esperava já hà horas, apresentavam-se na televisão, aos portugueses, como a Junta de Salvação Nacional, que tinha como grande missão cumprir o programa do MFA: “Considerando que, ao fim de treze anos de luta em terras do ultramar, o sistema político vigente não conseguiu definir, concreta e objectivamente, uma política ultramarina que conduza à paz entre os Portugueses de todas as raças e credos; Considerando que a definição daquela política só é possivel com o saneamento da actual política interna e das suas instituições, tornando-as, pela via democrática, indiscutidas representantes do Povo Português; Considerando, ainda, que a substituição do sistema político vigente terá de processar-se sem conclusões internas que afectem a paz, o progresso e o bem-estar da Nação: O Movimento das Forças Armadas Portuguesas, na profunda convicção de que interpreta as aspirações e interesses da esmagadora maioria do Povo Português e de que a sua acção se justifica plenamente em nome da salvação da Pátria, fazendo uso da força que lhe é conferida pela Nação através dos seus soldados, proclama e compromete-se a garantir a adopção de medidas ( … ), que entende serem necessárias para a resolução da grande crise nacional que Portugal atravessa.”

Assim, Portugal chegou à Democracia, à Liberdade, iniciando um novo ciclo, uma nova república, permitindo que outros povos, noutros quadrantes, também eles, chegassem à Liberdade de serem eles próprios senhores do seu destino.


(Testemunho de Jorge Pereira, professor de História da EPM-CELP)




O Grupo Disciplinar de História

1 comentário:

Alexandre Areias disse...

25 de Abril sempre...